A exigência do mercado nacional e mundial no agronegócio tem levado os produtores rurais a buscar uma melhoria sistêmica que não se resume a avanços meramente tecnológicos, ou seja, não basta o produtor rural aumentar sua produtividade ou reduzir os seus custos de produção; ele precisa atentar-se às melhores estratégias de negócios, atingindo uma melhor comercialização de produtos e insumos e ainda garantindo a segurança quanto à continuidade do negócio.
Considerando que a maior parte da produção rural brasileira é realizada por empresas rurais familiares, a constituição de holdings familiares no agronegócio tem sido vista como uma alternativa viável a organizar o planejamento sucessório, estruturar a parte herdeira, regrando limites e comportamentos e traçando caminhos que levarão sua existência adiante, além de buscar uma diminuição legal na carga tributária.
Nessa onda generalizada de instituição de holdings, surgem aqueles grupos familiares que constituíram ou encontram-se em processo de constituição de empresa familiar tendo como único objetivo, a redução da sua carga tributária.
O risco do empreendimento reside na possível utilização, pelo Fisco, da teoria da ausência de propósito negocial, por meio do qual defende que a simples inexistência de outros motivos para a constituição da holding, que não o alcance desse benefício fiscal, seria elemento suficiente para invalidar os atos do contribuinte ou o benefício fiscal almejado.
Sob esta ótica, torna-se necessário avaliar se a finalidade da constituição da empresa familiar limita-se à elisão fiscal, bem como entender e eventualmente afastar os argumentos utilizados pelo Fisco neste sentido.
Evidente que o planejamento tributário constitui constante e natural preocupação dos produtores rurais, sejam eles pessoa física ou jurídica, que se sentem sufocados pelos inúmeros encargos tributários.
No entanto, um dos problemas do planejamento tributário é a linha tênue do que a administração tributária entende como medida adotada para desonerar o passivo tributário da empresa que estaria inserida na legalidade e o que estaria na ilegalidade.
Por este motivo, utilizando-se de uma interpretação equivocada da norma do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966), a autuação fiscal por “planejamento tributário abusivo” é medida que se tornou comum, com base no entendimento de que, nas ações adotadas pela empresa, com o fim de desonerar seu passivo tributário, deve prevalecer o chamado “propósito negocial”.
O entendimento firmado pelo Fisco é de que a simples inexistência de outros motivos para a constituição da empresa, que não o alcance do benefício fiscal, tem sido usado como elemento suficiente para invalidar os atos do contribuinte ou o benefício fiscal almejado, ou seja, para o Fisco uma operação não precisa ser apenas legal, mas deve ter um propósito econômico/negocial.
Assim, os atos ou negócios jurídicos praticados pelas empresas em geral teriam de estar ligados às suas finalidades, à sua atuação no mercado.
A ausência dessa ligação poderia ser acolhida pela autoridade da Administração Tributária como motivo para desconsiderar o ato ou negócio jurídico do qual resultasse a exclusão ou a redução de um tributo ou a postergação do prazo para seu pagamento. As empresas teriam que desenvolver suas atividades sem qualquer influência dos tributos sobre suas decisões. Não poderiam optar por um negócio jurídico em vez de outro para evitar, reduzir ou postergar um tributo.
Ocorre que já na constituição da holding, pode ocorrer um ganho tributário, e não é o único. A exploração da atividade, após a constituição da holding, poderá ser efetuada de diversas formas, sempre por adequação de cada grupo familiar, e a diminuição na carga tributária, tanto para a pessoa física quanto para a jurídica, é perfeitamente possível, mediante estudos fiscais pontuais e prévios. Deve-se atentar, contudo que, com um planejamento tributário e sucessório eficaz, a redução de impostos é legal, expressiva e vantajosa, mas não é total.
Nesse sentido, a holding constituída com o fito de buscar a redução de incidência tributária por si só já se constitui em propósito negocial que viabiliza a reorganização societária, desde que cumpridos os demais requisitos legais.
Isso porque, quando existe uma norma jurídica que incentiva, sob o ponto de vista fiscal, a realização de um negócio jurídico, seria absurdo imaginar que além do propósito de economia fiscal deveria haver também algum outro propósito de outra natureza negocial.
Não há que se falar na inexistência de outros motivos para a constituição da holding, na medida em que sua simples instituição já promove a separação entre o que é profissional do que é familiar, busca a profissionalização tanto das propriedades rurais (que serão empresas), por intermédio da sua cultura e visão, quanto de seus sucessores, dando maior ênfase à gestão profissional na rotina empresarial.
A economia tributária por sua vez é decorrência lógica da adequação da empresa no regime de tributação que melhor lhe aprouver, dentre aqueles colocados à sua disposição pela legislação tributária. O simples fato dos atos praticados visarem economia tributária não os torna ilícitos ou inválidos.
Vale ressaltar que inexiste regra que considere negócio jurídico inexistente ou sem efeito se o motivo de sua prática foi apenas economia tributária. Não tem amparo no sistema jurídico a tese de que negócios motivados por economia fiscal não teriam “conteúdo econômico” ou “propósito negocial” e, por consequência, não se pode fundamentar pelo mesmo motivo uma autuação pela fiscalização tributária.
Caso adotássemos como possível a mencionada tese, todo planejamento tributário seria proibido e a economia tributária só seria admissível se fosse acidental.
Assim, a constituição de uma holding abarca para além de um mero benefício fiscal, atingindo uma melhor organização administrativa dos negócios, a implantação da governança corporativa, a realização de um planejamento sucessório organizado entre todas as gerações envolvidas nos negócios familiares, garantindo assim a sua continuidade, dentre outros benefícios não fiscais.
Silvana Potrich Cescon – Advogada, Especialista em Direito do Agronegócio, Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade de Rio Verde – UniRV, em Direito do Agronegócio pela Universidade de Araraquara – Uniara, em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera – UNIDERP, em Direito Previdenciário pela Universidade Candido Mendes; Presidente da Comissão Especial de Direito do Agronegócio e Secretária Geral da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de Rio Verde – GO.
REFERÊNCIAS
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