Por que a crise energética pode levar à falta de fertilizantes e agrotóxicos e impactar safras futuras

Grandes culturas de soja e milho transformaram o Brasil no principal comprador de agrotóxicos do mundo — Foto: AFP

Brasil importa 76% dos ingredientes desses produtos e países fornecedores como China, Rússia e Índia enfrentam dificuldades para manter o ritmo de fabricação. Além de aumentar o custo da produção no campo, escassez pode prejudicar safra de 2022/23, dizem analistas.

Os produtores brasileiros estão com dificuldades para encontrar fertilizantes e agrotóxicos no mercado. Crises energéticas em países fornecedores matéria-prima para esses produtos, como China, Rússia e Índia, e problemas logísticos por causa da falta de contêineres e navios estão entre as principais causas.

Os maiores impactos não serão sentidos agora porque os agricultores compram esses insumos com antecedência, dizem analistas ouvidos pelo g1. Mas, a escassez começou a impactar no custo de produção dos alimentos e pode prejudicar a safra de 2022/23.

Dependente da importação

O Brasil, de maneira geral, depende do exterior para obter estes itens. Isso acontece por duas razões: o país não possui a matéria-prima e, em alguns casos, simplesmente não a utiliza para esse fim, explica o professor Carlos Eduardo Vian da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP).

Mais de 60% dos ingredientes de agrotóxicos e de 70% dos usados em fertilizantes vêm de fora, fazendo com que o Brasil seja o único dos grandes polos agrícolas que tem dependência da importação de insumos, afirma Carlos Cogo, sócio-diretor da consultoria Cogo.

Os fertilizantes químicos funcionam como um tipo de adubo, usado para preparar e estimular a terra para o plantio. Os agrotóxicos, também conhecidos como pesticidas e defensivos, são usados para proteger as plantações de pragas e animais, e os recordes de produtos aprovados ano a ano pelo governo federal têm sido alvo de críticas de ambientalistas.

Efeito dominó

Ao todo, o Brasil importa 76% matéria-prima para esses produtos. Destes, 32% vêm da China, explica o presidente da CropLife Brasil, Christian Lohbauer. Trata-se de uma associação que resultou da junção de outras entidades do setor, entre elas os fabricantes de agrotóxicos, que antes se apresentavam como Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef).

“O que está acontecendo hoje é que a China fez uma mudança na sua política energética e uma parte importante de províncias que têm os centros químicos que produzem produtos oriundos do fósforo amarelo e do glifosato não trabalha mais nos turnos de antes”, resume Lohbauer.

O fósforo é um dos principais elementos para fertilizantes, enquanto o glifosato tem um papel importante na produção de agrotóxicos, sendo agrotóxico mais vendido no mundo.

A China está tentando mudar a sua matriz energética, que é dependente do carvão mineral (considerado muito poluente), para uma renovável. Para atender às metas ambientais do país, o governo chinês está aumentando o preço da eletricidade e, com isso, algumas fábricas estão reduzindo a produção, explica o professor Vian, da Esalq.

Além disso, o país enfrenta uma elevação do preço do biogás e passou por um período de seca que reduziu a capacidade das hidrelétricas, limitando ainda mais a oferta de energia e fazendo com que a indústria chinesa adotasse, inclusive, rodízios, completa Guilherme Bellotti, gerente de Consultoria Agro do Itaú BBA.

Fora a crise energética, é preciso considerar que, durante o auge da pandemia e do isolamento social, a China desacelerou a sua produção industrial. Mesmo com o retorno da demanda, ela ainda não está em níveis suficientes para atender ao mercado, diz Bellotti.

O mesmo tem acontecido em outros países fornecedores, como a Índia, responsável por 11% dos químicos de modo geral, segundo a CropLife.

O país anunciou no início de outubro que os seus estoques de carvão das usinas geradoras de eletricidade estão “perigosamente baixos”, podendo resultar em até 6 meses de crise energética.

Com menos defensivos e fertilizantes, os países adotaram uma prática protecionista, priorizando o fornecimento destes itens no mercado interno antes de enviá-los para os compradores, como o Brasil.

A Rússia, por exemplo, importadora de 15% dos fosfatados para o Brasil, segundo a Cogo, está adotando esta medida. Para garantir esse fornecimento interno, o país implementou uma cota de exportação, limitando em quantidade esses envios, e aumentou os impostos de exportação, explica Lohbauer.

Existe ainda a expectativa de que a mesma política seja adotada pela China, segundo o consultor.

Impactos da crise marítima

Como se a crise energética não fosse suficiente, estes insumos também encontram dificuldades para chegar até os seus destinos devido à escassez de contêineres e navios.

A falta deste transporte é motivada, principalmente, pela alta demanda nos grandes portos exportadores, como Ásia, Estados Unidos e a Europa, que atraem os armadores por serem mais rentáveis comparado a outros países, como o Brasil, explica Wagner Rodrigo Cruz de Souza, diretor executivo da Associação Brasileira dos Terminais Retroportuários e das Empresas Transportadoras de Contêineres (ABTTC).

Com isso, as rotas foram reduzidas e este transporte ficou mais caro. Segundo Cogo, o custo chegou a quintuplicar.

De mesmo modo, a espera nos portos aumentou e um prazo que, antes, era de cerca de 40 dias, hoje pode ser de 60, 90, sem um período definido, aponta o consultor. Falta de contêineres no Brasil prejudica exportações de setores da economia.

Os impactos para produtor e consumidor

No momento, os maiores prejudicados pela crise dos fertilizantes e agrotóxicos são os produtores dos EUA, que já vão dar início ao plantio da safra 22/23, explica Cogo.

No momento, ainda há fertilizantes e agrotóxicos no mercado brasileiro. O que acontece é a menor quantidade destes produtos, com faltas pontuais e preços mais altos. O Globo Rural do dia 7 de novembro trouxe relatos dos produtores que não estão conseguindo adquirir estes insumos. Agricultores têm dificuldades para receber insumos importados

No cenário atual, a perspectiva dos especialistas é de que a safra 21/22 não vai ser afetada diretamente pela escassez desses ingredientes, pois os agricultores geralmente compram estes insumos com antecedência.

Contudo, a safrinha do milho plantada no início do ano que vem e a safra 22/23 podem ser fortemente prejudicadas se o cenário não for revertido. “Tem esse risco de indisponibilidade mesmo (dos fertilizantes e agrotóxicos), caso a situação da crise energética não se normalize”, afirma Bellotti.

Cogo afirma que não dá para determinar se a produtividade vai cair ou não por causa da escassez destes itens, exceto em casos da lavoura ser afetada por uma erva daninha, por exemplo, e o agricultor não conseguir combatê-la.

Ele acredita que as safras atingidas serão, em maioria, a de trigo e de cevada, plantadas em fevereiro e maio, além da safrinha de milho. O grande impacto deve ocorrer mesmo no segundo semestre de 2022, quando os produtores vão reabastecer seus estoques.

Apesar de a oferta ainda não estar em um momento mais crítico, os preços dos produtos já impactam no bolso do agricultor. Segundo a reportagem do Globo Rural, para comprar uma tonelada de fertilizante, o produtor de soja agora tem que vender mais. A quantidade que antes podia ser adquirida com a comercialização de 18 a 20 sacas de soja, hoje precisa da venda de 24.

O glifosato lidera o avanço dos preços, com uma alta de 126,8%, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). De modo geral, os defensivos e fertilizantes tiveram altas que superaram 100% no ano até setembro, apontou a instituição.

Parte disso pode refletir para o consumidor, sendo responsável, em parte, pela alta da carne, já que a soja e o milho, por exemplo, são transformados em ração, diz o coordenador de produção agrícola da CNA, Maciel Silva.

Contudo, ele explica que este cálculo também depende de outras questões do mercado, por exemplo, o poder de compra que o consumidor possuirá no ano que vem.

Oportunidade para orgânicos?

Apesar de existir a possibilidade de substituir adubos químicos por orgânicos, Carlos Eduardo Vian, da Esalq, explica que é muito difícil para o produtor conseguir esterco e compostagem, por exemplo, em grandes volumes e rapidamente.

De mesmo modo, existem possibilidades de proteger a plantação sem agrotóxicos mesmo em grandes áreas, por exemplo, com o uso da Integração Lavoura Pecuária Floresta – que conta com predadores naturais dos invasores – ou até mesmo a partir de bioinsumos, explica Pablo Souza, professor do curso de agronomia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

Mas essas saídas exigem investimento e tempo para que os agricultores as apliquem no campo e criem confiança nelas, aponta.

“A gente não tem condições de desenvolver uma agricultura com o potencial que a gente tem no curto prazo sem depender dos atuais insumos”, afirma o agrônomo.

O governo federal pretende antecipar os pedidos de registro de novos fornecedores de fertilizantes e agrotóxicos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), afirmou o diretor do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do Ministério da Agricultura, Carlos Goulart.

Para Lohbauer, da Croplife, a medida pode não funcionar devido à intensidade do problema, já que, no fim das contas, os novos fornecedores também enfrentariam a escassez de matéria-prima.

Já para Cogo, a política pode ter efeito a curto prazo, pois abriria um leque maior de opções para os agricultores. Porém, ele acredita que o que pode realmente ajudar a produção é a diplomacia, porque muitos dos países, como a China, são grandes consumidores da agropecuária brasileira, portanto, também se prejudicam com a baixa comercialização dos insumos para o Brasil.

O governo também estuda implementar o Plano Nacional dos Fertilizantes, que tem por objetivo diminuir a dependência externa, estudando a implementação de propostas legislativas para facilitar a produção do item no país.

Esta solução, sim, teria efeito a longo prazo, aponta Lohbauer. O debate de retomar as fábricas brasileiras voltou perante a esse cenário e tem dois lados interessantes a serem considerados, diz o presidente da associação que reúne os fabricantes.

Para ele, os produtos podem acabar saindo mais caros ao serem feitos no Brasil, mas, por outro lado, isso geraria fornecimento garantido, independentemente da situação externa.

Fonte: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2021/11/12/por-que-a-crise-energetica-pode-levar-a-falta-de-fertilizantes-e-agrotoxicos-e-impactar-safras-futuras.ghtml

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