Em 16 de dezembro se completam 250 anos do nascimento do compositor, cuja história foi marcada pela perda de um sentido essencial para o usufruto de sua arte.
- Vida complexa, música revolucionária
Em todo caso, essa apresentação representa de uma só vez a glória e tragédia que marcou a complexa e contraditória personalidade de Beethoven, cujo nascimento em Bonn, Alemanha, há 250 anos se comemora neste 16 de dezembro.
A data é estimada, pois só se sabe com segurança que ele foi batizado em 17 de dezembro de 1770.
Um compositor de imponderável imaginação, paixão e poder, ele se formou numa época de agitação política marcada pelas Guerras Napoleônicas.
E foi reconhecido e adotado como um dos músicos mais famosos de Viena, uma cidade muito consciente de seu legado e estatura nesse campo.
- Catálogo de males
O certo é que o compositor sofria de muitos problemas de saúde, pelos quais foi submetido a alguns horripilantes e até ridículos tratamentos médicos da época e que, em certos casos, agravaram seu mal-estar.
Uma série de especialistas modernos fez investigações forenses históricas para determinar de quais doenças ele sofria, qual era a relação delas com sua surdez e como influenciaram sua personalidade e criação musical.
O neurocirurgião britânico Henry Marsh mostrou todo um catálogo de males, como seriam diagnosticados hoje em dia, no documentário do Serviço Mundial da BBC “Dissecando Beethoven”.
Segundo o médico, o compositor sofria de uma “enfermidade inflamatória intestinal, síndrome do intestino irritável, diarreia violenta, doença de Whipple, depressão crônica, envenenamento por mercúrio e hipocondria”.
Um dia após a morte de Beethoven, em 27 de março de 1827, o destacado médico Johannes Wagner fez uma autópsia no cadáver e encontrou o abdômen inflamado e o fígado com um quarto do tamanho normal, indicações de cirrose pelo consumo de álcool.
O alcoolismo era um mal de família: acometera sua avó, e seu pai era um conhecido bêbado.
Beethoven tomava vinho com regularidade e em ocasiões sociais, embora naquela época fosse um comum substituto de água impura, segundo a professora Tunbridge.
No entanto, “seus médicos lhe recomendaram que reduzisse a quantidade, algo curioso porque o dano associado ao alto consumo de álcool não era muito conhecido então”, diz a pesquisadora.
William Meredith, pesquisador do Centro de Estudos de Beethoven da Universidade de San José, na Califórnia, estabeleceu uma conexão entre o consumo de vinho e um possível envenenamento por chumbo, baseando-se numa amostra do cabelo do compositor analisada quimicamente, que indicou a presença desse metal.
Sabe-se que os comerciantes da época colocavam suco de uva em barris forrados de chumbo para sua fermentação. A técnica dava à bebida uma textura e um sabor açucarado que as pessoas consumiam com gosto, sem conhecer sua toxicidade pelo contato com o metal pesado.
O envenenamento por chumbo pode produzir dano neurológico, embora não haja formas de provar que Beethoven sofresse do mal.
- Como perdeu a audição
O que se sabe é que o aparelho auditivo dele ficou profundamente afetado, segundo o médico Wagner constatou na autópsia.
O pesquisador Meredith disse à BBC que a surdez pode ter relação com seus males abdominais, já que antes surgiram mais ou menos ao mesmo tempo.
“Ademais, Beethoven se queixava constantemente de febres e enxaquecas, com as quais sofreu pelo resto de sua vida”.
Outra teoria é a do médico Philip Mackowiak, da Escola de Medicina da Universidade de Maryland, que aponta a sífilis congenita como possível causa.
Uma doença “importada” do continente americano, a sífilis arrasou a Europa, causando graves problemas numa população indefesa.
No caso de Beethoven, segundo Mackowiak, a doença se manifestou como afecções gastrointestinais e no tipo de surdez que ele teve.
Mas o neurocirurgião Henry March acha que não há provas contundentes disso, por não haver um diagnóstico moderno de sua saúde. Para ele, tudo o que se pode fazer é especular.
- A vibração da música
Apesar do trauma da surdez, combinado com a frustração de não ter podido se casar, ele seguiu compondo e criando as obras que talvez sejam as suas peças mais expressivas, comoventes e experimentais.
“O interessante do Testamento de Heligenstadt é que ele nunca enviou a carta a seus irmãos”, disse a professora.
“(Nela) decide que a vida segue tendo valor e que continuará compondo, e que sua música o salvará.”
O instrumento de Beethoven por excelência era o piano, então ele seguiu compondo com ele, com a ajuda de vários dispositivos para amplificar o som.
Tom Beghin, pianista e pesquisador do Instituto Orpheus, na Bélgica, foi quem criou esses dispositivos de amplificação que acentuavam as vibrações dos instrumentos para que pudesse senti-los quando tocava.
“Há que se levar em conta que os músicos dependem muito de sua imaginação, que podem escutar os sons na cabeça, e Beethoven criava música desde a infância”, disse Tunbridge.
“Então talvez ele não pudesse escutar o mundo exterior, mas não há motivos para pensar que a habilidade de escutar a música em sua mente tivesse se deteriorado, nem que houvesse diminuído sua criatividade musical.”
- Potência e exuberância
Deve ter sido incrivelmente frustrande escrever música para que outros a intprestassem e não poder desfrutá-la em sua totalidade.
Mas, assim como a surdez o converteu numa pessoa difícil e mal humorada, também obrigou Beethoven a injetar mais potência em sua música e lhe dar uma expressão física.
O compositor britânico Richard Ayres, que também sofre de surdez e estreou neste ano uma peça inspirada tanto em Beethoven quanto em sua própria perda de audição, disse em um documentário da BBC que como resultado o grande maestro teve de criar uma música “mais exuberante”.
“As linhas musicais devem se destacar mais e ser mais claras”, comenta. “Se não consegue escutar bem, depende da energia dos músicos também para expressar a música.”
É o que Beethoven exigia de seus músicos, disse Ayres, que podia ver seus movimentos corporais e a maneira com que encaravam o instrumento.
Vários intépretes modernos consideram que a surdez melhorou sua música de muitas maneiras.
Ela lhe deu uma qualidade pulsande, lhe levou por caminhos inesperados, até estrambóticos, a momentos desgarradores e comoventes.
É o caso de uma de suas últimas peças, o quarteto de cordas No.15, Opus 132, que contém o movimento “Heiliger Dankgesang” e foi criada em agradecimento a Deus por tê-lo ajudado a se recuperar de um mal.
Fonte: g1.globo.com / www.todamateria.com.br
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